Quando nos tornamos pais, além dos
cuidados com a criança, é preciso educá-la para a vida e para o mundo.
Para algumas famílias, no início, essa tarefa pode até parecer simples, já que
podemos reproduzir o exemplo aprendido com a nossa família, com a sociedade em
geral – e até com a mídia. Mas no dia-a-dia as questões e os conflitos nesta
educação vão surgindo, evoluindo, até que muitas famílias precisam pedir ajuda,
pois a missão de criar um filho foge do seu controle. E o que os especialistas
garantem é que muitos desses problemas se resumem a falhas no processo de
comunicação.
O psicólogo norte-americano Marshall
Rosenberg acreditava tanto no poder das palavras, que pesquisou novas formas de
comunicação, com o objetivo de criar alternativas mais pacíficas de diálogo.
Essa maneira de se expressar de forma positiva resultou no que conhecemos hoje
por CNV – Comunicação Não Violenta, que tem forte influência na educação das crianças
dentro de casa e na escola.
Entendendo melhor a CNV
Especialistas garantem que não se trata
de técnica de linguagem ou um método de diálogo. A Comunicação Não Violenta vai
além, pois abrange valores muito importantes como paciência, dedicação,
esforço, prática e envolvimento.
Letícia Naomi Savitsky, mãe de Helena,
5 anos, e de Heitor, 3 anos, utiliza as técnicas de CNV quando percebe um
momento de conflito entre os irmãos. “Sempre me pergunto por que precisa ser de
um determinado jeito ou por que precisa ser agora. Depois, verifico os meus
sentimentos e, então, vou para a investigação dos sentimentos aliado às
necessidades das crianças”, explica. A mãe então procura conversar com as
crianças, perguntando sobre o sentimento de cada uma e por que aquele momento
ou situação a desagradou. “Só não busco esse diálogo quando as crianças estão
num momento de explosão. Sempre espero que se acalmem, respeitando o tempo
deles”, conta.
A psicóloga Lúcia Nabão defende que é
preciso mudar o foco da comunicação com os filhos, sem exercer uma postura
autoritária e punitiva. Ela explica que num modelo tradicional, os pais são responsáveis
de muitas maneiras pelos filhos, em sua formação, educação, sobrevivência,
saúde e segurança. Eles se apropriam do poder, do saber e da responsabilidade e
lidam com os filhos numa relação vertical. Exercem certa autocracia, fato
nomeado na abordagem da Comunicação Não-Violenta de “poder-sobre”. Desta forma,
se os seus “comandos” são atendidos, há uma satisfação por parte dos adultos,
porém a criança não compreende, o que pode provocar conflitos familiares ainda
mais sérios.
A especialista garante que a CNV
oferece uma nova base de relacionamentos familiares e interpessoais, nomeada
por “poder-com”. “Um lado vai se conectar com suas necessidades e também
buscar saber as necessidades do outro. Quando as necessidades de ambas as
partes envolvidas são nomeadas, os acordos possíveis ficam próximos e
tangíveis. Abre-se um leque criativo de estratégias com o objetivo de atender
parcialmente a todos”, explica.
No dia a dia, é comum as pessoas se
expressarem de maneiras diferentes e, em muitas delas, deixando falar mais alto
os sentimentos como raiva, medo, tristeza e até frieza, sem perceberem que
estão afetadas pelas próprias emoções. Portanto, o objetivo da CNV é resgatar o
que o ser humano tem de mais puro, permitindo que ele dialogue com honestidade.
Para isso, a pessoa tem que se apoiar e aprimorar em quatro componentes desta
técnica que exercem a melhoria do diálogo. Veja como você pode praticar com
seus filhos:
1.
Observação
Observar a descrição de uma situação ou
fato sem fazer julgamento. E esse é um dos maiores desafios da CNV, pois, mesmo
sabendo que não devemos julgar os outros e suas atitudes, é muito difícil
aplicar o hábito no dia a dia, especialmente com as crianças. Por exemplo, a
mãe abre a porta do quarto do filho e diz:
“Poxa vida, olhe a bagunça que você fez de novo aqui. Toda vez é a mesma coisa!
”
Pode não parecer, mas existe uma carga
emocional muito grande nessas frases. Os pais deixam a expectativa de ver um
quarto arrumado sobressair ao que está verdadeiramente acontecendo naquele
ambiente. O outro que está ouvindo, ou seja, a criança, já se sente
inferiorizada em relação àquilo e se arma na defensiva, bloqueando uma
comunicação eficiente. Para Flávia Vivaldi, precisamos nos apoiar no que de
fato está acontecendo e apontar isso ao ouvinte. Dessa forma, seria melhor
dizer algo sem julgamentos ou juízo de valor:
“Estou vendo uma cama desarrumada,
cadernos no chão e lixo pelo quarto”.
2.
Sentimento
Dialogar a partir de um sentimento.
Em vez de dizer: “Você nunca faz seu
dever de casa, seu preguiçoso! ”, experimente substituir essa crítica por:
“Poxa vida, filho, me sinto triste quando você não faz o dever de casa. Para
mim, é muito importante vê-lo estudando! ”
3.
Necessidade
Esse componente está relacionado ao
sentimento e à bagagem moral que cada indivíduo carrega consigo. E, para não
haver julgamentos e nem críticas, cada um deve se responsabilizar pelas
próprias emoções. Isso quer dizer que, por exemplo, não se deve atribuir
tristezas ou alegrias a outra pessoa.
Quando os pais pegam o boletim de seus
filhos, é normal atribuir críticas ou acusações. Neste acaso, evite se
expressar com julgamentos:
“Ficamos muito desapontados e tristes
com suas notas. Você foi um irresponsável! ”.
Em vez disso, use: “Filho, ficamos
desapontados e tristes com suas notas baixas, pois é muito importante para nós
que você estude e se dedique ao máximo. Queremos o melhor futuro para você”.
Quando o adulto muda o foco do
problema, assume seus sentimentos em relação à situação e passa a pensar melhor
em suas reais necessidades. Dessa forma, deixa de culpar as crianças pelas suas
emoções.
4.
Pedido
É preciso identificar a necessidade
real da situação, deixando de lado os julgamentos e as críticas, tão comuns e
imperceptíveis nos diálogos do dia a dia. Além disso, pedir é bem diferente de
exigir. Isso porque, quando se exige algo de alguém, denota que o outro será
punido se não atender à necessidade, impedindo que a pessoa faça o que foi
solicitado.
Quando se trata de crianças, outro
fator deve ser levado em consideração. É muito mais fácil de os pequenos
atenderem aos pedidos dos pais quando esses são feitos de forma positiva aos
pedidos que usam uma linguagem negativa.
Em vez de dizer: “Não quero mais
bagunça nesse quarto! ” ou “Não quero mais que bata em seu irmão”, tente as
frases: “Que tal você arrumar seu quarto todos os dias? Ele fica bem mais
agradável” ou “seu irmão gosta muito de você. Faça carinho nele mais vezes! ”.
A diferença na clareza do pedido é bem
evidente e não deixa a criança com dúvidas.
Para Flavia, a CNV não deve ser vista
apenas como um método de comunicação. Ela é a forma mais pacífica e positiva de
vivenciar as relações com outras pessoas, especialmente com a família. Ela
ajuda a formar seres humanos com mais compaixão, responsabilidade e
consciência. Não é fácil aplicar o diálogo positivo no dia a dia, mas é um
exercício que renderá frutos para a toda a vida!
Exemplo de um diálogo com os quatro
componentes da CNV:
“Filho, quando vejo sua cama desarrumada
e suas roupas espalhadas pelo chão – Observação
Eu me sinto irritada – Sentimento
Porque eu preciso de mais organização
no quarto, pois o ambiente se torna mais agradável – Necessidade
Será que você pode arrumar a cama e
guardar as roupas? ”–Pedido
Nossas fontes
Flávia Maria de Campos Vivaldi,
pedagoga e mestre em psicologia educacional
Lucia Maria de Oliveira Nabão,
psicóloga
FONTE:
Artigo desenvolvido pelo projeto NA MOCHILA, que em parceria com as escolas oferece uma revista por bimestre aos pais de alunos do ensino Infantil e Fundamental I.